sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Assim miava Zaratrusta

Zaratrusta. Esse foi o nome que me deram assim que cheguei na casa, ideia do Pai, sempre metido a filósofo, sem na verdade entender nada do que ele mesmo dizia, pelo menos era isso que a Mãe sempre falava. Mas era bom sujeito, me dava as melhores carnes e guloseimas, sempre tentando me agradar, esperando um olhar ou um miado de agradecimento, o que eu nunca dava, acho que ele deveria ter comprado um cão, mas não era isso que a pequena Michelle queria, ela quis a mim, e aqui estou.

Minha vida foi difícil no começo, sempre me esquivando dos braços e abraços que a Michelle insistia tanto em me dar a todo o momento, não a culpo, não querer tocar-me é quase impossível, com meus pêlos vistosos, e meu olhar meigo, tenho consciência disso e tiro proveito, quando quero deitar na poltrona do Pai, é só me espreguiçar de um jeito mais vagaroso que não há quem resista.

Sempre fui dado a uma imprudência, adoro desafios, só havia uma coisa que me incomodava, não sei explicar o porquê, mas eu nunca gostei de namorar fêmeas, até tentei durante um tempo, mas no fim não dava certo, sentia que faltava alguma coisa. Existia uma força que me impulsionava sempre a procurar outros machos, fiz um esforço colossal por muito tempo para evitar esses pensamentos, mas por fim eu cedi aos meus mais tortuosos desejos. Minha vida depois disso foi sempre incompleta, eu sou um gato que gosta de outros gatos, isso não pode ser normal. Apesar disso eu era feliz, sempre procurando coisas novas para me divertir, e sempre achando, isso era um problema às vezes.

Até que um dia eu comecei a sentir umas dores estranhas, pensei logo “vou parar de comer tanto doce, e comer mais aquela papa enlatada que a Mãe sempre tenta me dar.”, mas para o meu alivio a Michelle também percebeu meu incomodo e falou com o Pai que me levou a um lugar todo branco, com várias fotos de cachorros e gatos, me senti em casa lá, parecia um templo de devoção a mim. Um homem começou a me apalpar, eu até tava gostando, até ele falar as seguintes palavras “Tá prenha.”. Na hora fiquei gelado, gatos não ficam prenhas, só gatas! O que está acontecendo? Pude notar que o meu sentimento era compartilhado pela Michelle e pelo Pai, que rebateram ao homem insano que a pouco me apalpava, “Não é possível! Zaratrusta é macho!”. O homem insistiu e me revelou o que deveriam ter me dito a muito tempo, “Desculpa, mas o Zaratrusta é uma fêmea”. Pronto, meu mundo caiu e tudo passou a fazer sentido, todos aqueles sentimentos fizeram sentido, minha vida fez sentido.

Depois disso fui pra casa, mas tudo estava diferente. Até minhas atitudes com minha família humana mudaram, acho que não sabia lhe dar com minha condição errônea e acabava me afastando de quem me amava para esconder esse meu lado, mas agora, eles tão mais carinhosos comigo do que nunca, isso ainda me incomoda um pouco, mas pelo menos agora sou quem eu sempre quis ser.

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